domingo, 27 de janeiro de 2013

Carta em apoio a Joseba Gotzon O ex-militante basco foi preso no último dia 18, no Rio de Janeiro.

Joseba Gotzon Vizan González, de 54 anos, foi preso em 18 de janeiro no Rio de Janeiro sob acusação de ter pertencido ao Comando Vizcaya da ETA (Euskadi Ta Askatasuna, ou Pátria Basca e Liberdade), grupo considerado terrorista pela Espanha e que passou mais de 50 anos lutando contra o franquismo e pela independência do País Basco.
Joseba é acusado de participar de algumas ações do Comando Vizcaya no fim dos anos 80 e começo dos anos 90, incluindo atentados contra dois guarda-civis espanhóis que acabaram feridos. Ele fazia parte de um “comando legal”, ou seja, não agia na clandestinidade, dando apoio operacional a membro clandestinos do Comando Vizcaya, um dos braços mais ativos da ETA durante aqueles anos.
Segundo o Ministério do Interior espanhol, Joseba teria participado em 14 de janeiro de 1988 de um atentado a bomba contra um agente da polícia que ficou “gravemente ferido” – e é por esta ação que pesa sobre ele ordem internacional de captura. Em 13 de abril do mesmo ano, teria participado também do lançamento de granadas contra uma delegacia em Basauri, sua cidade natal. Teria, ainda, participado da tentativa de assassinado do policial José María Diéguez García em Bolueta, bairro de Bilbao.
Em janeiro de 1991, depois da desarticulação de seu grupo pela polícia, escapa para o Brasil, passando primeiro pelo México. No Rio, se dedicava a ensinar espanhol e vivia junto com sua esposa e filho com documentos falsos, como qualquer refugiado.
Joseba é, enfim, um refugiado político que, se permanecesse na Espanha, estaria sujeito às torturas que eram comuns a prisioneiros ligados à ETA – ou mesmo a meros suspeitos de ligação.
Durante o regime de Franco (1939-1976), as torturas, execuções e prisões eram lugar comum. Com a chegada da democracia, acreditou-se em um novo tempo, um processo de debate democrático. Engano. O período posterior à ditadura, conhecido como Guerra Suja, patrocinado e financiado pelo governo do premiê socialista Felipe González (1982-1996), deixou dezenas de mortos em ações de grupos de extrema-direita cujo objetivo era o assassinato político de membros da ETA, de partidos nacionalistas bascos e da militância Abertzale (nacionalista).
Centenas de bascos foram torturados, ameaçados e dezenas foram mortos por grupos de extrema-direita financiados pelo Estado Eepanhol durante o governo “socialista” de González. Ou seja, Joseba atuava politicamente junto à ETA durante um dos períodos mais negros da história espanhola, apelidada de “re-democratização”, mas que na verdade guardava elementos e características dos períodos mais sujos da ditadura de Franco. Se fosse preso, enfrentaria duras penas por sua atividade política contrária às torturas, repressão e similares às da ditadura anterior.
A repressão financiada pelo Estado, na Espanha, permanece inalterada até os dias de hoje. Por mais que as torturas tenham diminuído sensivelmente, a repressão à atuação política de partidos bascos continua, pese o processo de auto-dissolução proposto pelo grupo armado que teve início em 2009 com a declaração do fim de ataques contra alvos considerados legítimos, passando pelo cessar-fogo em 2010 (base do Acordo de Bruxelas), por uma trégua-permanente (janeiro de 2011, Acordo de Gernika) e pelo fim de suas atividades armadas (outubro de 2011, Acordo de Aiete) – mas negando-se a dissolver ou entregar as armas. Posteriormente, a ETA declarou ainda que abria mão do direito a se defender com armas em caso de ataques por parte das forças policiais, abrindo caminho para uma negociação com o governo espanhol que, porém, se recusa a dialogar.
A existência da ETA serve aos interesses espanhóis de manter a repressão e dificultar a vida dos partidos nacionalistas bascos – majoritários. Um ano após o Acordo de Aiete, a ETA lançou um comunicado pedindo um diálogo aberto com o governo espanhol para chegar a acordos relacionados a fórmulas e prazos para o desarmamento, libertação de presos, anistia e um caminho para a independência. Foram, até o momento, ignorados.
É dentro de todo este imbróglio político que se insere a prisão de Joseba. Refugiado político de um período negro da história da Espanha, com a possibilidade real de enfrentar terríveis torturas se fosse preso, ou mesmo de ser morto por alguma organização de extrema-direita financiada pelo Estado, viu-se obrigado a fugir e se esconder.
O uso de documentos falsos – adulteração de documentos, falsidade ideológica etc. – não difere em nada do que, por exemplo, fez Cesare Battisti e faz qualquer refugiado que busque manter-se a salvo e escondido de seus perseguidores. Joseba não é acusado de nenhum crime de sangue ou de atacar civis, mas tão somente por resistir à perseguição por parte da polícia espanhola e à repressão desta contra seu povo. Seus crimes são meramente políticos.
Diferente de Battisti, porém, ele não tem fama, apoiadores importantes ou uma campanha internacional em prol de seu nome. Joseba é apenas um professor de línguas que quer viver em paz e não pode sequer voltar à sua terra, pela qual tanto lutou. Mas ambos são militantes de esquerda que em algum momento buscaram lutar por sua ideologia, por seu povo e por seus ideais e que eram e são ameaçados por governos vingativos que preferem fechar os olhos para os abusos do passado (no caso basco, os abusos continuam) e perseguir aqueles que conseguiram sobreviver e escapar de seus porões.
Joseba atuou politicamente em outros tempos, em outra realidade, em um período negro da história espanhola e basca e não pode ser, hoje, criminalizado.
Desta prisão, algumas questões permanecem sem resposta, como foi bem lembrado pelo jornalista Mauro Santayana. De quem partiu a ordem para prender Joseba? Quem realmente o prendeu, a Polícia Federal ou a Polícia Nacional da Espanha? E com que permissão colaboraram e agiram (juntas)?
A notícia, divulgada em primeira mão pelo jornal ABC, de Madri, é clara: a detenção havia sido feita por agentes da Polícia Nacional da Espanha. Mais tarde, outras versões diziam que a detenção fora realizada somente pela Polícia Federal.
Se assim foi, seria importante saber se essa colaboração entre a Polícia Federal brasileira e a Policia Nacional da Espanha se faz mediante acordo oficial, aprovado pelos parlamentos dos dois Estados, ou não.
Se não há acordo formal, negociado pelos respectivos ministérios de Relações Exteriores, os policiais brasileiros envolvidos podem sofrer sanções disciplinares. Nesse caso, a Polícia Federal não deve prestar serviço a autoridades estrangeiras, nem a Policia Nacional da Espanha atuar no Brasil, se é que agentes espanhóis participaram da operação, da forma divulgada pelo ABC de Madri.
O que podemos fazer é acompanhar o caso exigindo que seja transparente. Que as perguntas que se assomam sejam satisfatoriamente respondidas e que exista ampla solidariedade para com o ativista basco, que pode enfrentar a pena cruel de prisão no Brasil pelo crime de se refugiar, ou acabar sendo devolvido à Espanha e torturado, como ainda são muitos dos ativistas bascos que lutam pela liberdade de seu povo.
Por fim, cabe àqueles que apoiaram Battisti se mobilizarem por um companheiro em armas e ideologia, igualmente perseguido por um governo de direita vingativo e repressor.
Joseba Askatu!

 [Petição contra a extradição de Joseba]

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